O fenômeno da privatização de empresas estatais é uma forte pauta política no Brasil. É um assunto que divide a opinião pública e movimenta um forte jogo de interesses desde o fim do regime militar. Assim como vários outros tópicos que dialogam com o dia-a-dia do brasileiro médio, muito se discute sobre, enquanto o interesse da população é deixado de lado.
O grande problema nessa dinâmica é que a opinião pública está enraizada nas agendas políticas. Em meio a um fervoroso debate, especialistas profissionalizados – no caso das privatizações, economistas – não são ouvidos, a ciência costuma ser deixada de lado, e, consequentemente, o bem-estar da população não é o norte da discussão. É uma forma problemática de gerir um Estado e as pessoas que dependem do sistema.
Empresas estatais, em sua totalidade, oferecem serviços considerados essenciais – ou no mínimo de extrema importância – para o funcionamento da vida em sociedade. Gestão de recursos hídricos e energéticos, sistema de saneamento básico, rede de telefonia e despache de itens por correio são algumas das áreas que passaram por algum tipo de processo de privatização ou concessão nas últimas décadas. Mas até que ponto o interesse de empresas limitadas coincide com o dever civil de um Estado?
A ex-juíza da vara trabalhista Comba Marques Porto, de 75 anos, presenciou o movimento de desestatização ao longo dos anos, tanto como profissional, como civil consumidora dos serviços prestados. Para ela, as motivações para reestruturar uma empresa de tal são tão sistemáticas quanto os problemas apontados pelos liberais que defendem as privatizações.
“Muito se fala em privatizar serviços, essa não é uma ideia nova. Surge uma turma que, insatisfeita com o que o Estado oferece, propõe concessões nas empresas responsáveis. Normalmente, o argumento é o de que vivemos sob a supervisão de um governo sistematicamente corrupto e incapaz de gerir o que não é intrinsecamente político. A solução, para quem defende, parece óbvia: tornar o prestador dos serviços uma companhia de uso limitado, reestruturar a diretoria administrativa, otimizar a venda do produto e, de quebra, fazer uma limpa na equipe trabalhadora”.
Essa fórmula mágica, no entanto, é traiçoeira. Se analisarmos com atenção, veremos que a venda de uma empresa estatal e todo o processo que sucede, não é tão distante do que já acontecia antes. Nunca ocorre uma verdadeira repaginada ou mudança de cara. A impressão que fica, para o brasileiro que não está interessado em debates de esquerda e direita, é que a empresa apenas passou ao comando e interesse de outras pessoas, igualmente suscetíveis a falhas e corrupções. A juíza aposentada pondera:
“Mas quem determinou que o novo presidente está mais apto a realizar sua função? O novo time tem de fato um plano de ação para que a linha de produção seja melhorada? E os funcionários demitidos? A precariedade da companhia deve ser atribuída à manufatura? O que vai acontecer com esses milhares de demitidos? E o serviço prestado: foi realmente aprimorado ou apenas ‘maquiado’, passando por uma troca de cara? Me parece que essas perguntas, embora fundamentais, são ignoradas por quem anda por trás desses projetos”.
A ex-juíza concluiu:
“No fim das contas, é muito difícil casar o interesse de um empresário com o de toda uma população. O capital privado precisa de lucro, e o povo de amparo. Quando privatizaram a Telebras, por exemplo, nos anos 90, os objetivos sempre foram a expansão do serviço telefônico. De fato, vivenciamos um boom nesse serviço e muitos mais brasileiros tiveram acesso a uma linha de telefone. Mas, passadas mais de duas décadas, podemos dizer que temos uma boa rede? O Brasil é muito grande, muito plural. Talvez se perguntarmos aos nossos conhecidos no Rio, apenas vão reclamar de uma eventual queda no sinal. Mas e no interior do estado? E da região sudeste? E no Norte do país? Eu diria que é inviável e até injusto acreditar que o novo presidente da Telebras em 98 estava interessado e apto a atender todas essas pessoas”.
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