A história de uma empresa - e de um homem - através das décadas.
Em maio de 1997, o governo de Fernando Henrique Cardoso conseguiu encerrar o tortuoso processo da venda da Vale do Rio Doce por $3,3 Bilhões de Reais para o Consórcio Brasil, também dono da CSN. Em uma privatização marcada por polêmicas, protestos e processos judiciais, como foi essa venda para aqueles que já trabalhavam na empresa há décadas? "Uma venda da empresa sempre traz transtornos, você não sabe quem vai ficar depois. É uma empresa que vai ser privatizada, [então] quem é que vai comprar a empresa?... Isso traz um certo desconforto, uma apreensão do que vai acontecer no futuro." É isso o que diz Claudiano Carneiro da Cunha, que trabalhou na Vale desde 1960 até ser aposentando em 1997.
Ele entrou na Vale como tradutor, após passar em uma prova da Divisão Comercial. Ele chegou na empresa na mesma época em que Eliezer Batista foi escolhido como presidente, por indicação de Jânio Quadros. Foi uma época em que a Vale começou a se destacar como mineradora, graças à Guerra da Coréia, que diminuiu o estoque global de minério de ferro e também pela abertura do Porto de Tubarão, que permitiu a entrega de minério para o Japão por preços competitivos. Era um momento em que a empresa firmou contratos de quinze anos com onze mineradoras japonesas diferentes.
Claudiano seguiu o caminho do pai, o General Wolmar Carneiro da Cunha, que foi diretor da Vale nos seus primórdios, e ingressou na estatal em janeiro de 1960 e foi crescendo na companhia "Apesar de ter entrado de tradutor, eu fui passando a medida do tempo que eu fazia cursos, além da faculdade e tudo, para técnico de administração, depois administrador, do Serviço de Exportação até a Área Técnica. E é claro que eu aprendi muita coisa lá, mas sabe, eu queria alguma coisa diferente." Foi nessa época que Claudiano primeiro se licenciou da Vale, trancou a faculdade e passou alguns anos trabalhando como garimpeiro em Minas Gerais.
No começo da década de 70, a Vale criou a Rio Doce Geologia e Mineração (Docegeo) para desenvolver exploração mineral. Claudiano já estava de volta na companhia fazia alguns anos e aproveitou a oportunidade de ir para a Docegeo. Ele foi enviado para Belém do Pará, aonde já havia garimpado, para ajudar no desenvolvimento da mineração em Carajás, que tem décadas que é um dos maiores centros de mineração do mundo. "Esse foi o período que eu mais gostei na Vale, na Docegeo, eu trabalhei na Amazônia, depois vim para o Rio. Trabalhei em projetos no Mato Grosso, na Bahia, no Rio Grande do Sul." Naquela época o presidente da companhia ainda era Eliezer, agora nomeado pela ditadura como diretor-presidente da Minerações Brasileiras Reunidas S/A (MBR), vice-presidente da Itabira lnternational Company, diretor da Itabira Eisenerz GMPH, presidente da Rio Doce Internacional S/A, subsidiária da Vale sediada em Bruxelas, além de consultor e promotor de negócios para o governo mineiro e presidente da Paranapanema, uma das maiores mineradoras do país.
Com o desenvolvimento de Carajás, a Vale se tornou uma das cinco mineradoras mais valiosas do mundo a partir dos Anos 80, chegando a declarar em 1995 para à Securities and Exchange Comission, dos Estados Unidos, que tinha 7 bilhões de reservas de ferro só em Minas Gerais e mais 4 bilhões também apenas no Pará. Pela sua alta possibilidade de lucro, foi vista como uma das principais estatais a serem privatizadas pela equipe econômica de FHC, e de certa forma eles estavam certos. O valor da venda da Vale foi o equivalente a mais de 80% do valor total com vendas de estatais naquele ano.
Na década de 90, Claudiano já estava na casa dos 50, com quase trinta anos de Vale entre idas e vindas. Ele era um "funcionário estável", como era chamado na época um empregado que decidida não fazer parte de um plano de FGTS, mas depois de 10 anos na mesma empresa ele alcançava estabilidade e não podia mais ser demitido. Conforme a avaliação para a venda da companhia era feita e o leilão se aproximava, os funcionários da Vale que se encaixavam nessa categoria eram vistos como um passivo caro, que não deveria ser mantido após a privatização.
Claudiano diz "quando a Vale estava para ser privatizada, muitos de nós antigos foram chamados para não ficar um passivo na empresa, porque quando você vai fazer um estudo para privatizar você procura os "esqueletos no armário" (...), e um desses esqueletos que pode ter são pessoas que não podem ser mandadas embora". Mais de mil funcionários foram chamados nessa leva para serem demitidos/aposentados, "obviamente [nos] deram vantagens, mas mais para uns do que para outros. Claro que fica uma tristeza, mas a vida continua".
Todo o processo de privatização da Vale do Rio Doce foi envolto em polêmicas, desde acusações de propina até um processo nebuloso de avaliação da empresa. Na época houve muitos protestos contra a privatização em todo o país, do Rio de Janeiro até Belém, passando por Brasília. Na cidade do Rio, aonde a venda foi efetivamente realizada, houve dois confrontos de manifestantes com a polícia na Praça XV, ambos com feridos. Mas eventualmente o leilão foi realizado e a venda foi confirmada. A Vale Do Rio Doce, agora apenas uma fria Vale S.A, cresceu o valor de suas ações mais de 3000% em 10 anos, uma prova para os detratores de sua venda que ela deveria ter sido mantida como estatal para gerar lucro ao país e para seus apoiadores de que, livre das amarras estatais, ela pode crescer como nunca.
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