Criada em 2011, ainda no governo Dilma Rousseff, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) foi por muito tempo polêmica no ambiente universitário. Apesar de ser uma estatal, seu regime jurídico privado foi pivô de acusações, por parte das comunidades acadêmicas Brasil adentro, de se tratar de uma forma de privatização das universidades públicas e, principalmente, uma ameaça à autonomia universitária.
Dez anos depois, praticamente todas as universidades federais aderiram à empresa, com exceção apenas da UFRJ, da UNIFESP e da UFRGS, as últimas duas por questões legais. Ainda assim, a privatização continua permeando o tema, mas, diante do governo Bolsonaro, a discussão ganha novos contornos.
No que diz respeito à UFRJ, os debates acalorados em torno da EBSERH explodiram em 2013. Na época, setores da comunidade acadêmica criticavam a empresa por seu regime de direito privado, que representaria uma forma de privatização do complexo hospitalar da universidade. Acusavam também o governo federal de estar interferindo na autonomia universitária, o que prejudicaria o ensino público, gratuito e de qualidade.
Para o advogado Daniel Mitidieri, especialista em Direito Público, a proposta não representaria ofensa à democracia interna, nem à autonomia universitária, uma vez que o processo de adesão ao método de trabalho da EBSERH é facultativo. Segundo ele, “os hospitais universitários integram o Sistema Único de Saúde. Não se trata de uma rede com autonomia decisória plena. Portanto, a autonomia universitária desses hospitais precisa dialogar com a política integrada do SUS”.
Mitidieri explica, também, que empresas estatais visam o atendimento de interesses públicos que não dependem do exercício de autoridade. Isso significa que, no caso da EBSERH, o intuito seria desburocratizar o trâmite da gestão hospitalar, que normalmente está sujeita a controle e regras formais dos hospitais autárquicos ou integrantes do governo federal e das federações. Segundo sua argumentação, “o controle das estatais seria mais finalístico, de resultado e menos de meio”.
A explicação técnica do advogado parece coincidir com o balanço de 5 anos de EBSERH na UFF, feito por Túlio Franco, professor do curso de Saúde Coletiva e ex-diretor do Departamento de Planejamento de Saúde da universidade. Segundo Túlio, a adesão à estatal, aprovada em 2016 na UFF, “não trouxe interferência em nada na pesquisa e extensão dos estudantes. As pesquisas continuam normalmente, porque a parte acadêmica quem gere é a universidade. A Ebserh trabalha apenas com a gestão administrativa”.
No entanto, quando questionado se sua visão sobre a empresa mudou passados 5 anos de experiência com a gestão da estatal na universidade, Túlio pontuou que não acha que a Ebserh deveria ser modelo. Para ele, a empresa representa “uma ferramenta que pode ajudar a gestão hospitalar, mas usa quem precisa”. Era o caso da Federal Fluminense em 2016.
O professor lembra a situação crítica em que se encontrava o Hospital Universitário Antônio Pedro à época: “Com o contingenciamento de recursos feito pelo Ministério da Educação, chegamos a uma dívida de R$11 milhões, que simplesmente era impagável para um hospital público. Isso sem contar o déficit de R$1 milhão todo mês. A situação financeira não permitia o funcionamento do hospital, não tinha luz no fim do túnel, o hospital estava fechando”.
Considerando a importância do HU da UFF para a população local, a adesão à Ebserh representou uma alternativa para manter o hospital em funcionamento e ainda preservar seu caráter público. Essa, no entanto, não parece ser uma opção consensual na comunidade acadêmica da UFRJ.
A maior federal carioca é a única, das 35 universidades com HUs federais, que não aderiu à Ebserh. Em 2013, a universidade votou pela rejeição da empresa, mas 7 anos depois, o assunto foi retomado por diretores dos hospitais. Em novembro de 2020, gestores das 9 unidades que compõem o Complexo Hospitalar da UFRJ levaram ao Conselho do Centro de Ciências da Saúde (CCS) um pedido para que a reitoria reabra as discussões sobre a empresa.
Para eles, a Ebserh seria a única alternativa para resolver problemas estruturais que se arrastam por anos, como o alto custo dos 600 extra-quadros que existem hoje só no Clementino Fraga Filho. Porém, segundo a técnica de enfermagem e coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj), Gerly Miceli, não é verdade que a empresa resolveria esses problemas.
“Vende-se a falácia de que o maqueiro, [os funcionários da] a higienização, ou que o auxiliar de enfermagem seriam automaticamente absorvidos pela Ebserh. Não seriam, porque a entrada se dá por concurso público e, além disso, a empresa não permite abertura de concurso para cargos extintos do setor público e do PCCTAE [o plano de cargos e carreira dos técnico-administrativos em educação]”, explica ela.
Além disso, há o receio de que, no Brasil de Bolsonaro, a autonomia universitária esteja em perigo. Isso porque não passou despercebido o fato de o atual presidente da Ebserh, o general Oswaldo de Jesus Ferreira, ser um engenheiro doutor em Aplicações, Planejamento e Estrutura Militar. Outro ponto de preocupação é a agenda privatista do Ministro da Economia, Paulo Guedes, que chegou a incluir a Ebserh em sua primeira lista de empresas a serem privatizadas.
“É um governo que elegeu o servidor público como inimigo e a educação e a saúde também. A gente tem uma reforma administrativa em discussão [no Congresso Nacional] e se a UFRJ aderir à Ebserh vai estar antecipando essa reforma do Bolsonaro. Hoje, mais do que nunca, precisamos resistir não só à Ebserh, mas também à Reforma Administrativa do governo”, conclui Gerly.
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